Oriundo de antiga família de Roma que tinha dado à Igreja mártires, e ao Estado altos oficiais, Ambrósio era o terceiro filho do virtuoso prefeito das Gálias, cujo nome era o mesmo do santo. Essa era uma das quatro grandes prefeituras do Império, e o mais alto posto a que podia chegar um simples vassalo. Compreendia os atuais territórios da França, Inglaterra, Espanha e Tingitana, na África. Tréveris, Arles e Lyon, suas três principais cidades, disputam a honra de ser o berço de Santo Ambrósio, que nasceu no ano 340. Fora precedido uns dez anos antes por uma irmã, Marcelina, virgem consagrada que será também elevada à honra dos altares, e por Sátiro, seu irmão, que é também venerado como santo.
Por volta do ano 354, em que faleceu seu pai, a família voltou para Roma. A mãe, discernindo no filho caçula uma inteligência aguda e extraordinária aptidão para o estudo, deu-lhe os melhores professores da Cidade Eterna. Ambrósio cursou também com brilho as escolas superiores, unindo ao estudo os exercícios de piedade. Conservou-se sempre casto em meio à corrupção reinante.
Graduado em Direito, logo se distinguiu na Corte de Justiça pela eloqüência e habilidade. O prefeito pretoriano da Itália, Anicius Probus, chamou-o para seu conselho. Encantado com suas qualidades morais e intelectuais, obteve para ele, do imperador Valentiniano, o cargo de governador consular da Ligúria e Emília — que compreendiam então as províncias da arquidiocese de Milão, Turim, Gênova, Ravena e Bolonha — com residência em Milão. Ao despedir-se de Ambrósio, esse pagão foi profeta ao dizer-lhe: “Vá e aja não como juiz, mas como bispo”.
Quando Ambrósio chegou a Milão, em 372, a cidade encontrava-se em situação religiosa deplorável, devido à influência da heresia ariana. Havia quase 20 anos que um herege e usurpador, Auxêncio, amparado pelo imperador Constâncio, apossara-se da sé de São Barnabé, obtendo o exílio do verdadeiro bispo, São Dionísio, que morreu no desterro. Apesar de condenado pelo Papa São Dâmaso, o intruso permaneceu em seu posto até sua morte, ocorrida em 374. Com seu falecimento, os verdadeiros católicos queriam escolher um bispo fiel, e os arianos um que continuasse a favorecer a heresia. Clero e povo reuniram-se na catedral para escolher o novo prelado, mas o conflito entre os partidos era tal, que ameaçava tornar-se verdadeira batalha. Ambrósio, por sua bondade, afabilidade, retidão e gentileza, conquistara os corações de todos. Julgou seu dever, como governador, acalmar os ânimos. Sua presença fez cessar o tumulto. Ele aconselhou calma e submissão à decisão dos bispos. Quando terminou de falar, ouviu-se uma voz infantil exclamar: “Ambrósio, bispo!”. Esse brado caiu como um raio sobre a assembléia, que começou a repeti-lo acaloradamente.
Ambrósio não era clérigo. Além disso, segundo costume pouco recomendável do tempo, nem tinha sido batizado, era ainda catecúmeno. E o Concílio de Nicéia havia proibido que simples neófitos fossem promovidos ao episcopado. O perplexo Ambrósio alegou essa razão para fugir à tremenda responsabilidade. Nada, porém, abalou o povo, que era inspirado por Deus.
O caso foi levado ao Papa e ao imperador, que ratificaram a escolha. Depois de muita resistência, Ambrósio curvou a cabeça, temendo contrariar a vontade divina. Foi batizado e recebeu as ordens menores e maiores. Uma semana depois, foi sagrado bispo. Tinha então 35 anos, e governaria a igreja de Milão por mais 23, plenos de atividades e realizações.
Ao tomarem conhecimento de sua sagração episcopal, seus irmãos acorreram a seu lado: Santa Marcelina, para ajudá-lo nas coisas práticas e na parte religiosa; e São Sátiro, para auxiliá-lo no aspecto temporal do cargo. Este devotado irmão, que renunciou a uma prefeitura para realizar essa missão, era muito unido a Santo Ambrósio. Por ocasião da sua morte prematura, poucos anos depois, Santo Ambrósio pronunciou dois comoventes elogios fúnebres, exaltando suas virtudes.
Formando-se para formar outros
Graduado apenas nas artes liberais, Santo Ambrósio entregou-se ao estudo das ciências divinas para completar sua formação sacerdotal. “Seus estudos eram de uma natureza eminentemente prática; ele aprendia o que devia ensinar. No exórdio de seu tratado De Officiis, lamenta que, devido à rapidez de sua transferência do tribunal para o púlpito, era obrigado a estudar e a ensinar simultaneamente. Sua piedade, seu profundo julgamento e genuíno instinto católico preservaram-no do erro, e sua fama de eloqüente expositor da doutrina da Igreja chegou logo aos confins da Terra”.(1)
O fato é que Ambrósio aprofundou-se tanto nas ciências sagradas, que mereceu ser incluído entre os quatro principais Padres da Igreja Latina, recebendo também o título de Doutor da Igreja. Ele é considerado a principal testemunha dos ensinamentos da Igreja em seu tempo e nas épocas precedentes. Com isso, seus escritos adquiriram força e atualidade difíceis de se encontrar, mesmo em outros Padres da Igreja.(2)
Santo Ambrósio e Santo Agostinho
Ambrósio estava sempre pronto para receber seus fiéis, a qualquer hora do dia ou da noite, fossem eles aristocratas ou mendigos. Com isso, estava sempre atarefado, como escreve Santo Agostinho em suas famosas Confissões: “Eu não via meio de conversar com ele, como teria desejado, porque um exército de necessitados me impedia de chegar à sua presença”, diz ele referindo-se à época anterior à sua conversão. Quando o encontrava só, tinha medo de o interromper: “Eu me sentava, e depois de ter passado longo tempo contemplando-o em silêncio — quem teria se atrevido a perturbar uma atenção tão profunda? — retirava-me pensando que seria cruel molestá-lo no pouco tempo que reservava para reconcentrar seu espírito no meio do tumulto dos negócios”.(3) Por incrível que pareça, esse aparente pouco caso de Santo Ambrósio era mais útil espiritualmente a Santo Agostinho do que todo tempo que o santo porventura lhe dedicasse. Prova dessa afirmação constitui a própria conversão do grande Doutor de Hipona.
Apostolado por meio de seus escritos
Santo Ambrósio escreveu vários trabalhos sobre a virgindade, que o mais das vezes consistiam em sermões. O mais importante deles é o tratado Sobre as Virgens, dedicado à sua irmã Marcelina. São Jerônimo diz que ele foi o mais eloqüente e exaustivo de todos os expositores da virgindade, o que também é opinião da Igreja.
Seus escritos dogmáticos tinham por fim combater os hereges e os pagãos, e versam em geral sobre a divindade de Jesus Cristo, do Espírito Santo, e tratam também dos Sacramentos. Ele escreveu sobre esses temas contra os arianos; e seu trabalho sobre a confissão é uma refutação dos novacianos, hereges da época, cujos erros assemelham-se aos dos protestantes. O ilustre arcebispo escreveu também sobre o sacerdócio. “Se Santo Ambrósio se dedicava com tanta solicitude a bem regular os leigos, aplicava-se com mais cuidado à boa disciplina de seus eclesiásticos. Sabia que um bom padre é um tesouro que não se pode estimar suficientemente, e que os grandes males da Igreja vêm da corrupção daqueles que a governam, como os maiores bens nascem de sua sábia conduta e bons exemplos. E que, para reformar o povo, é necessário começar pela reforma dos ministros do santo altar”.(4)
Luta tenaz contra os hereges arianos
Os arianos, que negavam a divindade de Cristo, conseguiram o favorecimento da imperatriz-mãe, Justina, que aderira à heresia. Ela exercia a regência em lugar de seu filho menor, Valentiniano II. Ora, o usurpador Máximo, governador da Grã-Bretanha, preparava seu exército para invadir Milão. Justina recorreu então a Santo Ambrósio para conseguir que o tirano mudasse de opinião. Isso realmente ocorreu. Entretanto Justina, em vez de mostrar gratidão ao santo, exigiu-lhe a entrega de uma de suas basílicas para uso dos hereges arianos. Começou então uma longa batalha entre altar e trono. Santo Ambrósio afirmava: “Meus bens são da pátria, mas o que é de Deus, não tenho o direito de entregar”. Os arianos armaram ciladas, tentando até mesmo assassinar o bispo, mas este não cedeu. O povo era-lhe favorável. Na Semana Santa, os soldados de Justina cercaram a catedral repleta de povo. Durante os oito dias em que permaneceu no templo com os fiéis, Ambrósio, para entretê-los, compôs seus famosos hinos, segundo o uso no Oriente, que a Igreja assumiu como seus. Durante esses dias foram encontrados os corpos dos mártires São Gervásio e São Protásio. Os milagres que operaram à vista de todos, mais de um século após sua morte, consolidaram a vitória do arcebispo contra os arianos.
O valor do arrependimento e da penitência
Santo Ambrósio admoestou-o, proibindo-o de entrar na catedral enquanto não fizesse penitência pública pelo pecado cometido. Na oração fúnebre que fez desse imperador, Santo Ambrósio narra o que seguiu: “Despojando-se de todo emblema da realeza, ele deplorou publicamente na igreja o seu pecado. Essa penitência pública, da qual os particulares fogem, um imperador não se envergonhou de fazer; nem houve depois um dia em que ele não se afligisse por seu erro”.(5) Nessa ocasião, Eugênio, que desejava restaurar o paganismo, usurpou o trono imperial. O invicto Teodósio foi ao seu encalço e o derrotou. Dividiu então o Império entre seus filhos Arcádio e Honório, e morreu pouco depois, tendo a seu lado Santo Ambrósio, que lhe administrou os últimos sacramentos.
O grande arcebispo seguiu o imperador dois anos depois, falecendo na noite do Sábado Santo, 4 de abril de 397. Sua festa foi fixada para o dia 7 de dezembro, aniversário de sua sagração episcopal.
E-mail do autor: pmsolimeo@catolicismo.com.br
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